O direito à propriedade do próprio corpo é base fundante das democracias liberais ocidentais. Nosso corpo não pertence a nenhuma igreja (como em algumas teocracias), e tampouco ao Estado (como em algumas autocracias). Somos livres para dele dispor de acordo com nossas vontades e desejos, segundo nosso livre arbítrio, mesmo que estejamos fazendo mal a nós mesmos, desde que isso não impacte na liberdade alheia.
Somos livres para mutilar nossas peles para inscrever tatuagens, furamos partes do corpo, ingerimos bebidas que destroem nosso organismo, fumamos substâncias que causam dependência química e intoxicam nosso pulmão, e nada disso parece incomodar governantes e corporações.
O discurso muda quando o debate entra para as drogas consideradas ilícitas. Se o princípio norteador dos nossos corpos é a autodeterminação, com qual justificativa o Estado interfere neste aspecto ao proibir o consumo e a comercialização de determinadas substâncias, por vezes até menos danosas do que as que hoje são permitidas?
Muitos argumentam que há violação da moral e dos bons costumes, que devem ser obedecidas sob pena de se afrontar princípios fundantes do Estado brasileiro como a família, a religião e a tradição. Também alegam que a liberação pode ter impacto nas contas públicas, já que pode gerar aumento no consumo, e, por consequência, aumento nos gastos com a saúde, sendo o SUS universal.
O Ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, discorda deste ponto de vista. Em seu voto no Recurso Extraordinário nº 635.659, em que se discutia a descriminalização das drogas para consumo próprio, deixou claro sua posição: “É preciso não confundir moral com direito. Há coisas que a sociedade pode achar ruins, mas que nem por isso são ilícitas. Se um indivíduo, na solidão das suas noites, bebe até cair desmaiado na cama, isso não parece bom, mas não é ilícito. Se ele fumar meia carteira de cigarros entre o jantar e a hora de ir dormir, tampouco parece bom, mas não é ilícito. Pois digo eu: o mesmo vale se, em lugar de beber ou consumir cigarros, ele fumar um baseado. É ruim, mas não é papel do Estado se imiscuir nessa área.”
Embora o debate seja amplo, com bons argumentos a favor e contra a ampla liberdade individual, é preciso questionar o que justificaria a imposição de tantas regras sobre nossos corpos, no contexto de uma democracia?
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FONTES:
https://www.conjur.com.br/dl/leia-anotacoes-ministro-barroso-voto.pdf acessado em 24 de outubro de 2019
http://www.psc.org.br/missao-valores/contra-legalizacao-de-drogas/ acessado em 24 de outubro de 2019
https://direitoeliberdade.jusbrasil.com.br/artigos/135366241/10-razoes-para-legalizar-as-drogas acessado em 24 de outubro de 2019