O advento de novas tecnologias leva ao surgimento de novas formas de expressão artística e
cultural, como é o caso dos jogos eletrônicos. Inicialmente criados para o público jovem, os
jogos eletrônicos passaram, no decorrer dos anos, a comportar maior diversidade de
temáticas, também voltadas para o público adulto. Essa evolução, no entanto, tornou os jogos
eletrônicos alvos de censura em diversos países, como é o caso da China, Austrália e Brasil.
As ações de restrição aos jogos eletrônicos, em geral, partem da premissa equivocada de que o
público alvo desses jogos seria composto predominantemente de crianças e jovens. Em 2007,
uma decisão da Justiça Federal de Minas Gerais proibiu a comercialização dos jogos “Counter-
Strike” e “EverQuest”, sob o fundamento de que “encerram cenas de violência, terror,
apologia ao crime etc, que agem, principalmente no subconsciente das crianças e adolescentes
(…) de forma a deturpar sua educação, seu desenvolvimento sociocultural e psicológico (…),
confrontando os valores morais, éticos, religiosos recebidos no seio da família e na escola, com
um conceito de contra-valor”. Segundo dados do “USA Today”, no entanto, a idade média dos
consumidores de jogos violentos é de 35 anos. Outra pesquisa do “Gamer Segmentation”, de
2010, aponta que a idade média dos jogadores seria de 32 anos.
Dados do Serviço Secreto dos Estados Unidos (Implications for prevention of school attacks in
The United States), de 2004, também colocam em cheque os argumentos utilizados pelo
magistrado. Constatou-se que apenas 12% dos envolvidos em tiroteios em escolas gostavam
de jogos violentos, enquanto 24% deles liam livros violentos e 27% gostavam de filmes
violentos.
As tentativas de restrição aos jogos eletrônicos não se limitam ao Poder Judiciário. Em 2006,
foi apresentado pelo então senador Valdir Raupp (PMDB-RO), o Projeto de Lei nº 170/2006,
que pretendia criminalizar a criação e comercialização de jogos eletrônicos ofensivos “aos
costumes, às tradições dos povos, aos seus cultos, credos, religiões e símbolos”. O projeto foi
aprovado na Comissão de Educação do Senado em 2009, com parecer do senador Valter
Pereira (PMDB-MS), que justificou sua posição afirmando que “sobre o cristianismo, vê-se em
alguns jogos alguém bater em anjos, enquanto se escuta um coral católico. É comum um
superbandido bater asas pelo inferno antes da batalha final, ou até derrotar Jesus e seus doze
apóstolos, embora tenham nomes engraçados.”
Segundo Túlio Vianna, professor de Direito Penal da UFMG, “a Constituição não permite que
apenas se produza e comercialize Tetris e jogos de paciência; Counter-Strike, EverQuest ou
qualquer outro título também estão amparados pela liberdade de manifestação artística.
Qualquer tentativa de impor algum limite a esta liberdade é uma nefasta censura prévia que
viola frontalmente nossa Constituição.”
Nesse contexto, não se nega a existência de jogos extremamente realistas que apresentam
cenas chocantes de violência, de modo que a intenção de proibição judicial ou legislativa dos
jogos eletrônicos se apresenta como uma medida que possui uma intenção positiva de
proteção integral às crianças e aos adolescentes. Não obstante, os jogos eletrônicos já
possuem uma classificação indicativa e, como outras formas de expressão artística, encontram
proteção no artigo 5º, inciso IX, da Constituição da República, por força do qual “é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente
de censura ou licença”. Nessas condições, é inevitável perguntar-se: como é possível que duas
realidades tão antagônicas coexistam? Como podemos preservar a liberdade de expressão no
universo dos jogos eletrônicos e, ao mesmo tempo, proteger crianças e adolescentes da
propensão à violência?
TAGS
#Censura #CounterStrike #Games #ParentalAdvisory
FONTES
https://olhardigital.com.br/games-e-
consoles/noticia/revolta_gamer_contra_a_censura_dos_jogos_de_videogame_no_brasil/1583
6
https://super.abril.com.br/tecnologia/videogames-devem-ser-censurados/
http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2010/relatorios/ccs/dir/DIR-Victor_Leahy.pdf
http://oglobo.globo.com/tecnologia/mat/2010/01/21/nova-leva-de-games-de-combate-mira-
no-publico-acima-dos-30-915664756.asp